Por Sylvia Colombo
Um homem aprisiona a filha num castelo de pedra por muitos anos. Um criminoso famoso da cidade se apaixona por ela, e decide sequestrá-lo. O crime acaba num assassinato. A trama se passa em Medellín, nos anos 70, muito antes de o período sangrento do qual foi protagonista o super-rei da droga Pablo Escobar ter início. Sim, porque a ideia de “El Mundo de Afuera” é discutir o que há na essência dessa cidade, que de pacata, conservadora, comportada e laboriosa tem a fachada. Por trás de tudo isso, está um lugar onde coisas pouco explicáveis e tendendo ao exagero costumam acontecer.
Adepto da ideia garcia-marquiana de que o “realismo mágico” não existe, trata-se nada menos das coisas que realmente acontecem na América Latina, Jorge Franco, 42, foi buscar na memória os elementos para sua novela, que acaba de ganhar o prêmio Alfaguara, um dos principais da língua espanhola. Nascido e criado em Medellín, ele quis resgatar os anos anteriores ao período em que a cidade se transformou no lugar mais perigoso da América Latina, com os índices de homicídio mais altos do continente.
Franco recebeu a Folha em seu escritório, em Bogotá, na última quinta-feira. O fio condutor da conversa foi a relação com Medellín, essa cidade tão brutal, violenta e ao mesmo tempo tão literária, que tive o prazer de visitar há alguns dias. Medellín é muito diferente do resto da Colômbia. Diferencia-se da costa, alegre e colorida e muito mais aberta com relação aos costumes. Também da altiva Bogotá, mais europeia e cosmopolita. Em Medellín há uma falsa discrição, uma forte ética do trabalho, uma religiosidade profunda. Por que tantos escritores e cineastas? “A história e a situação da cidade pedem isso. Não podemos não falar do assunto. É porque é doloroso e conflituoso que a literatura se faz necessária”, responde Franco.
Seu livro de maior sucesso, aliás, sucede nos anos mais terríveis que atravessou a cidade. Trata-se de “Rosario Tijeras”, que conta a história do narcotráfico do ponto de vista de uma mulher. “Houve muita discussão na época, sobre se deveríamos estar retratando isso. Mas eu penso que de outra forma, que não a artística, talvez não fosse possível humanizar o problema”.
Franco é um entre vários autores de Medellín que fizeram grande literatura a partir do que rola em suas inclinadas grandes avenidas e favelas. Outro a fazê-lo foi Fernando Vallejo, com seu “A Virgem dos Sicários”, Hoje radicado no México, Vallejo comprou briga na Colômbia ao retratar de forma tão cruel os colombianos e sua relação com a religião, com a família, com a violência. Seu romance, lançado no Brasil pela Companhia das Letras, contava a história de um homem mais velho que se apaixona por um sicário. A vida desses meninos, que morrem cedo e desfrutam o excesso por alguns anos, nunca tinha vindo à tona com tantas cores. “É um sistema muito difícil de entender, o fato de as pessoas ali, envolvidas com o narcotráfico, terem concordado que viver pouco e com muito dinheiro é melhor que uma vida na miséria. Esses garotos sabem que vão morrer ou ir presos logo. Então vivem no limite, acumulam dinheiro para dar para as mães e condenam-se a morrer muito cedo. Vallejo mostrou isso muito bem”, diz Franco.
Outro que pintou as cores de sua cidade de forma muito poética, em meio ao caos da violência, foi Hector Abad Faciolince, em seu “O Esquecimento que Seremos”, em que narra sua infância ao lado de pais e irmãos até o brutal assassinato de seu pai. O cinema também refletiu a história recente desse lugar esparramado entre montanhas e carregado de neblina, destacando-se os filmes de Victor Gaviria, “A Vendedora de Rosas” e “Rodrigo D.”.
Franco agora parte para investigação para um novo romance, ainda tendo Medellín como centro de sua literatura. Agora, ele quer retratar a vida na cidade depois do assassinato de Escobar, em 1993. “Era algo que não pensávamos que um dia podia chegar. Seu poder era tão grande, que achávamos que ia ser para sempre. Não foi assim. Incrivelmente hoje temos uma geração que não viveu sob Escobar, e ele se tornou um mito com diferentes matizes.”
Pouco traduzido no Brasil, o escritor a quem certo dia García Márquez disse que seria o colombiano para quem ele passaria o bastão, espera que seus livros sejam mais conhecidos no país-vizinho. Enquanto isso, embarca num tour de lançamento de “El Mundo de Afuera” por várias capitais latino-americanas.